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Paula Pato e Américo Guerreiro

Paula Pato, 55 anos e Américo Guerreiro de 72, conheceram-se na festa de aniversário organizada pelos pais de Paula para comemorar os seus 11 anos. Mais tarde viriam a trabalhar juntos. Passado este período afastaram-se para se reencontrarem novamente num almoço de amigos. A partir daqui começaram a conhecer-se melhor. Apaixonaram-se.

Encontros e desencontros que os levaram até aos dias de hoje: casados e felizes. Uma história que poderia ser marcada pela diferença de 17 anos que os separa. Existe preconceito contra casais intergeracionais? Existe, dizem eles. Já passaram por várias situações que comprovam o preconceito. Como se lida com isto? O velho que caçou uma mulher mais jovem ou a mulher oportunista que se aproveita do velho? Olhares alheios com os quais eles lidam com humor, muito humor e inteligência.

Este amor está acima de todos os julgamentos e preconceitos. Pode ter ritmos diferentes, mas é uma comunhão sem prazos.

Estavam predestinados? Nós gostamos de acreditar que sim.

Como é que se conheceram?

Paula – Eu comecei a trabalhar como copywriter na empresa onde o Américo era diretor geral em 1990. Tinha 28 anos e ele era um velho de 40 e tal anos (risos). Nessa altura a diferença de idades parecia enorme.

Trabalhei lá durante 14 anos. É muito engraçado porque o Américo continuou a manter amizade com algumas pessoas que trabalhavam na empresa e então mantivemos o contacto. Uns anos mais tarde, depois da morte da minha mãe, quando estava a arrumar as fotografias, descobri uma fotografia em que identifiquei de imediato o Américo. Essa fotografia era da festa de aniversário dos meus 11 anos. Os meus pais também faziam uma diferença de idade de 13 anos de idade. Tinham casado anteriormente pela igreja com outras pessoas e depois juntaram-se. Na altura o divórcio não era permitido e quando se juntaram e eu nasci e me quiseram registrar, eu era filha de mãe incógnita! Eles próprios tiveram de lidar com muito preconceito.

Voltando atrás, os meus pais adoravam fazer festas e então eu sempre me dei com pessoas de muito mais idade e estava muito à vontade e gostava de pessoas adultas. A minha mãe, que nessa altura trabalhava no Ministério do Exército, e convidou uma amiga mais nova do que ela 13 anos, que era namorada do Américo. Então o Américo conheceu-me com 11 anos na festa com a namorada!

Américo – Isto não teve consequências nenhumas! (risos)

E lembram-se do momento em que se apaixonaram?

Paula – Bem mais tarde! Isto não é padrão, mas de facto quando as pessoas já tiveram uma relação anterior, vão construindo e percebendo a outra noutro contexto. Aquela coisa do flash… não. Ambos tínhamos tido um casamento anterior. Mas podemos perceber a altura em que as coisas… Américo, ajuda-me, quando foi?

Américo – nós estamos a viver juntos desde 6 de outubro de 2010 e casamos no dia 27 de dezembro de 2016. Casámos 6 anos depois. Eu tinha enviuvado de uma senhora que viveu 7 anos comigo. E nessa altura uma pessoa procura mais os amigos. Foi num desses almoços de amigos que eu me aproximei mais da Paula e a Paula de mim. E estávamos disponíveis.

Ela não conhecia Londres (Paula: conhecia o Mundo todo, menos Londres!) e eu disse: Então vamos passar uma semana a Londres. Quando regressamos, no dia 5 de Outubro, eu disse: Ou vens viver comigo ou isto assim não é vida. E ela veio no dia seguinte e aqui começa “oficialmente a nossa história”. Às vezes confusos, a acertar agulhas e feitios. Ela é uma pessoa com um feitio um bocado difícil (muitos risos!). Aliás há uma frase que marcou isto! (Paula: corta, corta!) ela tem uns tios que são como segundos pais e quando ela lhes anuncia que ia viver comigo, o tio conhecia-me perfeitamente porque tinha sido gerente do Banco com quem sempre trabalhei. E disse: “Ó filha, não te preocupes porque, conhecendo os dois, depois de um ano, se isto não der vai cada um para seu lado.”

As vossas famílias aceitaram bem?

Américo – A minha família não é grande, só tenho um irmão e uma irmã e já nenhum de nós era uma criança. Já não se fazem fretes mas também não se corta uma relação por birras, ou porque um ressona ou tem caspa!

Paula – A partir de uma certa idade compreendemos as experiências e aproveitamos o que fizemos bem e mal no nosso passado e começamos a fazer melhor a ecologia da vida e a perceber o que é realmente importante. E são as pessoas. E há determinadas coisas que vão poluindo a relação. Agora já fazemos melhor esse balanço. Pensar o que é que me interessa na estrutura desta pessoa e o que é que esta pessoa é para mim e o que são estes adereços que só chateiam e que estão a prejudicar e vamos de facto perceber que tudo se perde por porcarias.

Américo – Temos uma maior noção de uma forma mais consistente daquilo que é essencial e do que é acessório. Há uns dias ouvia alguém dizer: “Já não tenho idade para me sentar à mesa com quem não quero”. De uma forma inconsciente existe uma relação da nossa atitude com a idade. Não temos mais 50 anos pela frente. Tornamo-nos mais seletivos e seguros. Exploramos muito melhor o horizonte, os passarinhos, a natureza, o pôr-do-sol. O Raul Brandão dizia nas suas memórias: “Ainda um dia hei-de ver as pedras a dar flor”.

O que é que vos afasta e o que vos aproxima?

Paula – Em relação ao fator cronológico, o Américo ainda é uma pessoa muito vigorosa e com saúde e acompanha-me. Isto tem mais a ver com preferências porque lembro-me quando era mais jovem não havia muita gente a fazer caminhadas ou a viajar de mochila às costas – acho que não tem a ver com a idade mas com liberdade de espírito.

É uma questão de gosto: eu gosto de experiências, é a minha natureza, a natureza do Américo é mais terra e ele gosta muito da casa.

Américo – Gosto tanto da natureza como ela gosta mas eu perco-me na natureza com outras coisas, eu gosto de caminhar mas caminhar mais devagar. Muitas vezes deixo-a a 2 km do nosso destino e ela vai lá ter a pé.

Paula – Vemos melhor o espaço que cada um precisa e a idade aqui aproxima-nos. E a maturidade traz-nos isso.

Quando não gostas de alguém só consegues ver os defeitos e a fealdade dessa pessoa. Quando te apaixonas consegues ver a beleza. Quando amas alguém ou sabes qual é a essência dela é muito estranho: há um fenómeno que surge e tu só consegues ver a beleza, vês o amor que tens por essa pessoa nessa pessoa, que supera a visão do declínio que a velhice possa trazer.

Quando começamos a andar nem pensamos na diferença de idades.

Não pensas sobre isso, não é um problema.

Acham que deixamos de ser criativos e inovadores com o avançar da idade? Nos anúncios de emprego pedem sempre jovens criativos, como se a idade influenciasse negativamente as nossas capacidades de inovação.

Américo – Reformei-me com 58 anos e sinto-me ainda hoje um criativo. A minha formação vem das artes, tirei o curso de arquitetura mas a minha função foi sempre gerir empresas. O que não tem nada a ver com as artes mas isso deu-me vantagens na área da publicidade. Sou criativo e nada pode matar essa chama. Nasce-se criativo e morre-se criativo.

Paula – Vamos sendo sempre mais criativos. A energia, essa perdemos, até para aguentar ritmos diferentes. Mais tarde ganhas um arrojo para te estares nas tintas para muita coisa. Acredito que a criatividade nesta fase pode atingir o sublime, uma liberdade quase total. E aumentar os níveis de confiança porque já não precisamos da aprovação toda a gente.

Porque é que decidiram casar-se?

Américo – Eu tenho a noção de que tenho 18 anos a mais do que ela. Pela lei natural das coisas eu vou primeiro. Tenho de garantir que quando eu morrer ela fica bem e vai continuar a fazer a vida que fazia comigo. Não foi para dar satisfações à família ou a alguém.

A Paula faz anos no dia 3 de dezembro e eu disse vamos casar. E pensei para comigo mas onde é que se casa? Fui ao notário e perguntei: “Aqui fazem casamentos?” E o notário: “Não, parece-me que é nas conservatórias. Mas agora as freguesias não têm conservatórias, acho que é nos registos centrais.” E lá fui eu, tirei uma senha e fui para a fila dos casamentos.

Depois fui ter com a Paula e pedi-a em casamento. Casámos 20 dias depois.

Paula – Se as pessoas se importam uma com a outra, é óbvio que pensam nas coisas e não vamos fingir que não tem importância. Há uma “lirização” em relação ao casamento, como também da morte. Antes havia preconceito contra os que não casavam, agora é ao contrário.

Já sentiram preconceito como casal em relação à vossa diferença de idade? Existe um estereótipo: o homem mais velho que fica com a rapariga mais nova para a exibir na sociedade. E a mulher mais nova que fica com o homem mais velho para subir o seu estatuto socioeconómico. Acha-se sempre que há um motivo menos nobre por detrás destes relacionamentos. O amor nunca entra nesta equação quando se fala de casamentos ou relações intergeracionais.

Paula – Sem dúvida, ainda existe esse preconceito e nós sentimos isso. Temos histórias em que nos confundem com um pai e uma filha.

Américo – Isso acontece porque as pessoas não estão bem consigo próprias. Encontram em tudo uma relação de interesse. Até pensam que casei com uma mulher mais nova para ser mais tarde minha enfermeira! O que vai acontecer é eu morrer mais cedo e ela casar com outro!

 Como é que cada um de vocês vê a sua própria velhice?

Paula – Eu costumo dizer que o meu desejo é morrer com um raio que me parta! Tenho pavor, não à morte, que é o desconhecido, mas de viver muito mal no final da vida, não me quero resignar à dor e ao sofrimento. Perder a liberdade motora e a liberdade de pensar e de decidir… são coisas que dou muita importância agora.

Assusta-me estar depende de alguém ou de uma instituição, sobretudo no padrão actual de como que se vê a dor, que é absolutamente medieval, com a inevitabilidade do sofrimento.

Américo – Morrer é uma chatice! Quando somos confrontados com uma doença que nos põe a prazo é muito complicado. Um amigo meu diz: “Sabes porque é que continuamos a lutar por coisas? É porque não sabemos quando vamos morrer. Se soubéssemos não fazíamos nada”. E é verdade, se nós todos soubéssemos o nosso prazo de validade parávamos, congelávamos a matutar naquilo.

O meu maior medo é morrer mal e ter consciência disso. Estar a sofrer e a fazer sofrer os outros.

Mas há morte sem sofrimento.

Américo – Sim, como a minha mãe. Disse-me: “Vai-te embora que eu quero sossegar”. E não chegou a acordar.

Paula – Essa é uma boa morte. Apenas 8% da população tem essa sorte.

 Paula, sabemos que fizeste um redirecionamento da tua vida profissional, passaste do marketing para a área da formação e da comunicação, sobretudo para a comunicação da morte. Qual foi esse processo?

Paula – Foi um processo terapêutico depois da morte da minha mãe. Percebi que há uma deficiência na nossa educação que muitas vezes nos leva a não prevenir uma série de situações que podem ser aligeiradas. Preparam-te para seres uma super mãe, uma boa esposa, uma boa estudante, etc., mas não te preparam para envelhecer, porque é um tabu, nem sequer se quer pensar nisso, dá azar. Eu própria também já estive desse lado, recusava-me a falar sobre o envelhecimento. Este é agora o meu eixo de actuação.

Os temas que trabalho têm a ver com a simplificação de vida. Comecei pela morte por provocação, gosto de assuntos difíceis! Tenho outros temas como a gestão dos relacionamentos, a gestão do stress, o que é que os sonhos comunicam. São temas transversais em todas as idades, em que tu tens de aprender em todas as fases do campeonato. Utilizo as capacidades de comunicação que trouxe do marketing e da publicidade para pôr as pessoas a pensar no que é importante para nos facilitar a vida, e isso acontece falando uns com os outros. Por exemplo, a importância do testamento vital, da doação do corpo à ciência.

Têm uma definição de amor?

Américo – A minha irmã tinha um quadro que dizia: “O amor é dormir agarradinhos”. E também é.

Paula – É olhar para o outro e sentir o mesmo êxtase de quando subi a montanha Annapurna (Himalaias, Nepal). É uma comunhão, o atingir o nirvana.

 O que é a vida sem prazos de validade?

Paula – É sentir o que estou a sentir neste momento. Estou aqui com vocês e pouco preocupada com o próximo minuto. E perpetuar esse minuto sem prazo de validade.

Américo – Subscrevo totalmente a Paula.

Página facebook – Paula Pato Comunicóloga

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