Esta casa
Esta casa: dos dois batentes de porta que existiam, só uma mão agora segura a corrente do cadeado que parece demasiado frágil face à imponência da porta. Ao espreitar pelo orifício, que já foi em tempos preenchido por uma fechadura, consigo ver as escadas em pedra que dão acesso ao primeiro piso. A luz ténue que vem de cima adivinha uma clarabóia ou – visto as portadas das janelas estarem fechadas – um telhado que cedeu.
Todas as casas têm alma. As casas novas, por estrear, são ainda só conjuntos de divisões, com chão, telhado, paredes, portas e janelas. Cheiram a cimento, madeiras novas, a verniz e tinta fresca. Grandes ou pequenas, de construção simples ou minuciosamente planeada, carecem ainda de identidade. As casas habitadas vão acusando a vida dentro delas. Se conseguimos determinar a idade de uma árvore pelo número de anéis existentes no seu tronco, numa casa são as camadas de verniz e tinta, o estado do chão, do telhado, das portas e janelas, que contam a sua história.
Uma casa desabitada continua a ter alma. A alma é a história dessa casa, imensa numa casa antiga e doente numa casa em mau estado de conservação.
Esta casa: pensada com alguma demora, adornada pelos materiais usados na construção, habitada por não sei quantas gerações, entregue à sua alma moribunda e, quem sabe, por estar trancada com cadeado pequeno e corrente fina, à espera de um novo começo.
Ana Godinho de Vasconcelos
Socióloga