NEWSLETTER

FACEBOOK

Envelhecer mulher

Nascemos para envelhecer. É a nossa condição humana. Mas todos envelhecemos de forma heterogénea, com uma amplitude de interseções.

O sexo, a etnia, a cultura, o país, a região, o ambiente e a condição socioeconómica são alguns dos determinantes que influenciam a forma como vamos vivenciando a passagem do tempo.

As mulheres ao longo da história sempre foram o elemento mais discriminado e oprimido. Estamos no século XXI e muitos avanços foram alcançados na igualdade de género, contudo, ainda temos muito caminho para percorrer.

Como é envelhecer mulher numa sociedade anti-envelhecimento?

Para respondermos a esta questão precisamos primeiro de definir o que é o idadismo – a última discriminação aceite – tão grave como o sexismo ou racismo, mas desconhecida ou ignorada por muitos.

O idadismo tem por base a discriminação etária, ou seja, a maneira como pensamos (estereótipos), sentimos (preconceitos) e agimos (discriminação) em relação aos outros e contra nós próprios com base exclusiva no critério idade.

Segundo o “Relatório Global do Idadismo” lançado em 2022 pela Organização Mundial de Saúde, 1 em cada 2 pessoas é idadista contra pessoas mais velhas.

O idadismo manifesta-se em vários contextos, como nas nossas relações interpessoais, a nível institucional, no mercado de trabalho e autodirigido (contra nós próprios) e é um problema grave de direitos humanos e saúde pública.

O idadismo interseciona-se com outros “ismos” como o sexismo ao longo de todo o ciclo de vida.

Envelhecer mulher é ser alvo de dupla discriminação.

Os especialistas cunharam esta interseção de idadismo de género.

Numa cultura que proíbe o envelhecimento, que cria uma narrativa onde envelhecer é sinónimo de declínio, doença, morte, falha, invisibilidade e incapacidade, as mulheres são alvo de uma discriminação mais grave comparativamente com os homens.

E esta discriminação manifesta-se nas diferentes fases do ciclo de vida.

Um dos grandes problemas centra-se na questão da aparência física.

Somos uma sociedade que cultiva o culto da juventude e eterna beleza, na qual proliferam mensagens altamente idadistas, especialmente contra as mulheres.

Estas são pressionadas a manterem-se eternamente jovens. Expressões como os 30 são os novos 40 ou os 50 são os novos 40 são mensagens subtis de que só somos válidas se travarmos uma luta contra a passagem dos anos, se mantivermos uma aparência jovem, se reduzirmos anos à nossa existência.

Sim, os homens também são adorados pela sua beleza, mas a beleza deles pode transformar-se, pode sobreviver à mudança dos anos somados.

O homem vai envelhecendo e até vai ficando mais apetecível, ser quarentão ou cinquentão com rugas e cabelos brancos adiciona charme e prestígio. Eles envelhecem como o vinho do porto, ou seja, quanto mais velho melhor, elas, as mulheres, simplesmente passam de jovens atraentes para mulheres que se deixaram envelhecer. Quando uma mulher assume as rugas e cabelos brancos ainda é visto por muitos como uma forma de desleixo e derrota.

Temos a negação do envelhecimento a ser alimentada por várias indústrias que lucram com os medos, as discriminações e inseguranças das mulheres.

A indústria da cosmética, da moda, são dois exemplos. A primeira inventou o termo anti-envelhecimento, que basicamente significa anti-vida. Porque envelhecer é um processo natural de desenvolvimento humano. Cremes anti-envelhecimento, produtos anti-envelhecimento, as mensagens vêm de todo o lado e dizem às mulheres que não podem envelhecer, que envelhecer é uma doença ou um problema que precisa de ser resolvido.

As redes sociais, as selfies, os filtros, vieram agravar a pressão do “forever young”. Além de toda uma cultura de influenciadoras digitais que banalizam as cirurgias plásticas em idades cada vez mais jovens.

A pressão da “boa aparência” para uma mulher não se reduz apenas à sua satisfação pessoal, estende-se para todos os sectores.

Muitos trabalhos requerem “boa aparência”, ter intimidade, namorar, casar, ter sucesso, ter o mundo aos seus pés, requer boa aparência e uma batalha herculana para travar os sinais do envelhecimento feminino.

“Estás ótima para a tua idade”, é apenas uma das muitas expressões da linguagem idadista que se normalizou na comunicação.

A beleza não pertence ao tempo da juventude, esta transforma-se.

Não deveríamos querer cristalizar na aparência da rapariga jovem.

Sou apologista de que deve haver liberdade pessoal nas escolhas das mulheres, com as suas vidas e com os seus corpos.

Porém, não podemos ter um único padrão de beleza que no fundo alimenta os desejos do patriarcado: mulheres eternamente jovens.

Temos que mostrar a diversidade da beleza e dos corpos mais envelhecidos, naturalizar e celebrar o envelhecimento natural.

E isto não significa assumir a derrota, mas sim cuidarmos de nós (sempre) sermos a melhor versão de nós próprias!

Tememos a vida, tememos palavras como menopausa e reforma, tememos a invisibilidade e a diminuição dos nossos direitos, tememos soprar as velas de cada aniversário…

Combater o idadismo de género, começa em cada uma de nós, com pequenos gestos e mudanças que podem fazer toda a diferença. Começa amanhã por assumir orgulhosamente a tua idade e a sonhar desde nova em chegar à velhice.

Ser velha é ser mulher empoderada. A verdadeira conquista…

Texto de Luísa Pinheiro, Co-fundadora e diretora da Associação Cabelos Brancos

Magazine Cabelos Brancos @ Todos os direitos reservados

ESCRITO POR: