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Ashton, a revolucionária contra o idadismo

Foto de Adrian Buckmaster

Ashton Applewhite é uma escritora e reconhecida ativista norte americana que luta contra o idadismo – discriminação com base no factor idade.

Em 2016 foi eleita a personalidade mais influente do ano na área do envelhecimento e fez um discurso histórico sobre o idadismo na Organização das Nações Unidas (ONU). É reconhecida pelo New York Times, National Public Radio e American Society on Aging como uma especialista na temática do  idadismo.

O idadismo está a emergir como uma questão premente dos direitos humanos e justiça social. Ashton tornou-se na porta voz e líder de um movimento que quer combater a discriminação etária.

O seu trabalho pretende sensibilizar e consciencializar a sociedade para as consequências do idadismo, dentro de nós e à nossa volta, abraçando uma visão mais diferenciada e positiva sobre o envelhecimento e combater as forças que o configuram como um declínio. A longevidade veio para ficar. Toda a gente está a envelhecer. Eliminar o idadismo beneficia-nos a todos.

Ashton Applewhite em entrevista exclusiva, para o Magazine Cabelos Brancos.

Como é que se tornou ativista na luta contra o idadadismo?

Aconteceu de uma forma indireta, como a maior parte das coisas que acontecem na minha vida. Quando penso nisso percebo que comecei a escrever e a pensar sobre a velhice porque era algo que receava. Um dia a minha sogra disse-me: “porque é que não escreves sobre algo que as pessoas nos perguntam constantemente? Quando é que se reformam?” Esta questão colocava-se porque ela e marido na altura tinham cerca de oitenta anos e ainda mantinham um negócio ativo .

Comecei então a entrevistar pessoas com mais de oitenta anos que ainda trabalhavam. O que aconteceu é que de uma forma muito rápida e fácil comecei a aprender imensa coisa sobre longevidade e idade tardia que era muito mais positiva e cheia de nuances do que eu julgava saber. E a luz continuou acesa: “porque é que não sabemos destas coisas?” As pessoas são mais felizes na fase inicial e final das suas vidas, as pessoas mais velhas apresentam uma melhor saúde mental do que os jovens ou pessoas de meia idade, as pessoas mais velhas têm menos medo de morrer.

Tinha assumido que era algo que se tornava cada vez mais assustador à medida que o tempo ia avançado, mas afinal é o oposto. Percebi rapidamente que não conhecíamos esta realidade por causa do idadismo. A nossa cultura está inundada de mensagens que nos dizem que envelhecer é um problema para o qual devemos comprar coisas para o travar ou consertar.

Quais são as raízes do idadismo?

Se recuarmos às culturas ancestrais, independentemente da cultura, se eram atacados e tinham que se deslocar rapidamente, os bebés e as pessoas mais velhas poderiam ficar para trás. As pessoas no início e fim do espetro da idade são mais vulneráveis perante as forças físicas e sociais. A vida é mesmo assim.

No Paleolítico começámos a viver mais tempo, até por volta dos trinta anos. Os Homo sapiens passaram a ter três gerações de vida, realidade essa que transmite uma clara vantagem evolutiva.

No século XX os seres humanos vivem mais anos e ter uma idade avançada tornou-se mais comum. Uma das razões pelas quais venerávamos pessoas mais velhas no passado é porque não existiam muitas.

O conhecimento era passado através da tradição oral, portanto as pessoas mais velhas eram claramente um repositório de informação.

Nos Estados Unidos da América (EUA) no século XX viver até mais tarde tornou-se comum e a partir daqui começou a ser encarado como um problema social.

Foi nesta altura que foram inventadas as casas de repouso e lares de idosos. Estas criações foram percecionadas como uma oportunidade de negócio.

Surgiu uma segregação com base na idade, e assim que temos segregação temos um problema. Quando colocamos as pessoas fora do nosso olhar, os seus problemas deixam de existir na nossa mente.Todas estas questões fizeram emergir o idadismo e uma cultura de juventude e consumismo.

A indústria publicitária construiu a ideia de que ser-se jovem é ser belo e desejável, que queremos  audiências jovens, e tudo isto resultou na valorização da cultura jovem em detrimento da negação e desvalorização de outras pessoas e das suas contribuições.

A questão é que as pessoas mais velhas, na minha opinião, não são melhores, mais valiosas ou mais sábias que as restantes.

Algumas delas são mais sábias e outras idiotas. Não considero que merecemos respeito porque somos mais velhos, mas sim porque somos humanos.

E existem verdadeiras diferenças entre  juventude e velhice, algumas que precisam de ser ignoradas, outras reconhecidas e respeitadas, mas nunca em detrimento de um grupo sobre o outro.

2016 foi o seu ano. Discurso histórico na ONU e personalidade do ano mais influente na área do envelhecimento.

Qual foi a sensação?

Existe um serviço de radiodifusão público para pessoas mais velhas, que todos os anos reconhece cinquenta pessoas influentes na área do envelhecimento. Fiquei maravilhada com este reconhecimento. Além de constar da lista fui escolhida como a personalidade mais influente do ano. O mais incrível é que muitas das pessoas desta lista são aclamados académicos e legisladores, pessoas que dedicaram a sua vida inteira ao tema do envelhecimento e longevidade. Mas eu não sou uma dessas pessoas.

No entanto 25% do total das pessoas que constam da lista de influenciadores, quando confrontadas com a seguinte questão: “se pudesse mudar uma coisa relativamente ao envelhecimento na América, qual é que seria?” Responderam em quórum, incluindo eu, como é óbvio: “idadismo”.

Precisamos de mudar a forma como a sociedade olha para o envelhecimento.

Precisamos de refletir sobre a forma como encaramos o nosso próprio processo de envelhecimento.

Precisamos de desafiar mitos e estereótipos sobre o envelhecimento, porque estes acentuam a nossa perceção e conversação cultural.

Uma analogia que eu faria é com o movimento feminino. Se a nossa causa estivesse relacionada com questões femininas, em vez do envelhecimento ou longevidade, estaríamos constantemente a discutir o papel do sexismo e da discriminação contra as mulheres. O debate em torno das questões de igualdade de género centraria-se por exemplo, sobre os papéis que as mulheres podem desempenhar, as suas restrições e moldagens, e de que forma é que estas poderiam alcançar o máximo do seu potencial.

Existiu um reconhecimento do meu trabalho porque sou a única pessoa da lista dos influenciadores focada no idadismo. É um reconhecimento baseado no facto de que precisamos de confrontar o idadismo. Este ponto é que torna a minha eleição como personalidade do ano verdadeiramente emocionante.

O trabalho que estão a desenvolver com a Cabelos Brancos é pioneiro e fulcral para a sociedade portuguesa.

Tudo isto começa com a nossa consciência individual, e não a um nível institucional. Para estabelecermos a mudança de algo fundamental como a nossa atitude perante a forma como nos movemos ao longo da nossa vida, como é que aproveitamos o que as pessoas têm para oferecer em todos os ciclos de vida e como é que não deixamos ninguém de fora de uma vivência  plena e igualitária.

Precisamos  de aprender a pensar sobre o envelhecimento e idadismo numa fase inicial do ciclo de vida?

Sim, é vital. Fico sempre muito contente por saber que existem pessoas mais jovens a questionar o tema do envelhecimento. É sempre importante relembrar as pessoas que o idadismo é um julgamento sobre uma pessoa ou grupo com base no factor idade.

Este julgamento também afeta pessoas mais jovens. Em particular, os adolescentes que tentam ser ouvidos e encontrar a sua voz, muitas vezes são desrespeitados ou ignorados porque são considerados demasiado novos para alguma coisa. O idadismo também forma uma sombra na nossa vida numa idade mais jovem.

Mas como somos uma cultura centrada na juventude, as pessoas mais velhas são obviamente o grupo mais afectado com este tipo de discriminação.

É numa fase inicial de vida, por exemplo na faixa etária dos 30, que, se não tivermos uma carreira, um casamento, ou dinheiro guardado para o futuro, somos alvos de discriminação e esta vai aumentado à medida que envelhecemos. Este tipo de discurso prevalece nos Estados Unidos.

Existe uma pressão terrível sobre as pessoas mais novas. Quando somos mais velhos as nossas decisões de uma forma geral, têm uma caráter mais leve e simples comparado com a fase da juventude.

O idadismo e todos os tipos de “ismos” existem para nos dividir e não para nos unir.

Neste caso é o novo versus velho.

É muito difícil combater a discriminação idadista. Com base na nossa experiência temos constatado que as pessoas não sabem identificar estas práticas, quer na posição daquele que discrimina ou de quem é alvo de discriminação. Quais é que são as prioridades na luta contra o idadismo?

Não existe uma forma fácil de luta porque envolve preconceitos. Não é agradável para ninguém admitir que tem um comportamento preconceituoso e uma atitude discriminatória.

A boa notícia é que, como as práticas idadistas são uma constante, ao estarmos atentos ao que vemos e ouvimos, torna-se mais fácil combater este tipo de preconceito. A linguagem que utilizamos na televisão, publicidade e cinema, é um exemplo das mil e uma coisas que denunciam a discriminação com base na idade. O idadismo está em todo o lado, em todo o mundo, em tudo o que nos rodeia.

Como conseguimos detetar este tipo de discriminação em todo o lado, torna-se tudo mais excitante e interessante, porque começamos a perceber o que verdadeiramente podemos fazer para mudar os comportamentos e atitudes enraizados na sociedade.

Este processo começa quando somos novos ou velhos, quer sejamos os que discriminam ou os que são alvos de discriminação, começa na nossa consciência face à atitude que temos perante o nosso processo individual de envelhecimento. Temos de perceber quais são as origens destes comportamentos e os propósitos que servem.

Por exemplo, a maneira como usamos “novo” e “velho” na nossa linguagem.

Ouvimos as pessoas dizer: “estou demasiado velha para usar aquilo ou ir àquele evento, etc.”

Pode não nos apetecer ir, podemos ser preguiçosos, mas nunca somos demasiado velhos para alguma coisa.

Temos de quebrar este tipo de atitudes. Se o meu joelho me doer, o que acontece com regularidade, costumo pensar: “tenho 64 anos, mas o meu outro joelho é igualmente velho e não me dói.” Temos de questionar se as dores que sentimos nas nossas costas são da idade ou do jantar que cozinhámos ontem para doze pessoas.

Outro hábito da nossa linguagem é dizer frequentemente “sinto-me jovem”.

Apenas podemos sentir e aparentar a idade que vivemos agora.

Dizem-nos que parecemos jovens para a nossa idade. Isso é impossível.

Temos de olhar para a forma como usamos a palavra “jovem” para descrever atributos positivos: ser sexy ou energético, ser desejado, dominar as novas tecnologias e todos esses clichés.

Quando as pessoas dizem “sinto-me velho”, querem dizem que se sentem invisíveis, feias ou deprimidas. Todas estas coisas, boas ou más, são coisas que sentimos em qualquer fase da nossa vida.

Precisamos de compreender que a linguagem reforça este tipo de atitudes.

E o comportamento? Temos amigos de todas as idades?

Num evento social as relações que se estabelecem automaticamente são com pessoas da mesma faixa etária. Assume-se que entre pessoas de idades diferentes não existem interesses comuns.

Pode-se não ter interesses comuns, mas este factor está mais relacionado com estatuto social e experiência de vida, do que propriamente com a questão da idade.

A idade não é muito reveladora. Não nos informa sobre as capacidades de uma pessoa e dos seus interesses. E à medida que vamos envelhecendo mais diferentes nos tornamos uns dos outros. Não ficamos todos iguais, como dizem os estereótipos.

Estes julgamentos são errados do ponto de vista, moral, biológico e social.

Quanto mais velhos nós somos, menos temos em comum.

Se quebrarmos a barreira da idade, temos a oportunidade de conhecer outras pessoas e ensinar ou aprender um novo mundo. Arrisquem e quebrem estas barreiras. De certeza que serão recompensados.

E os lares de terceira idade? Como já referiu, as pessoas são todas diferentes, no entanto, nestas instituições recebem todas o mesmo tipo de cuidados…

Dois pensamentos sobre os lares de terceira idade: são negócios lucrativos, como os hospitais ou prisões, e se tiverem uma natureza sem fins lucrativos são sítios horríveis para viver.

Nos Estados Unidos existe uma obsessão absurda com a independência e em não pedir ajuda. Ninguém gosta de pedir ajuda, mas aqui é algo encarado de uma forma especialmente negativa.

A independência é como se fosse uma virtude americana, contudo ninguém é verdadeiramente independente, do nascimento à morte, toda a nossa vida é interdependente.

Existe nos EUA um grande movimento chamado “Envelhecer em casa”. As pessoas ficam nas suas casas em vez de irem para estruturas residenciais noutras localidades.

O grande obstáculo para uma vivência positiva numa idade avançada é a solidão e ausência de contactos sociais. Existem diferentes tipos de instituições e nalguns casos as pessoas ficam realmente felizes por deixar as suas casas. Deixam de ter determinadas preocupações, têm atividades, relações sociais e profissionais que cuidam delas.

Acho que esta questão não tem uma resposta simples como “os lares de terceira idade são maus e continuar em casa é bom”.

O meu colega Dr. Bill Thomas, é geriatra e  ativista contra o idadismo e criador de um novo modelo de lar intitulado “The Green House Project”. É  uma abordagem totalmente radical no que diz respeito ao cuidados de longo prazo. São pequenas casas com ambientes familiares, nas quais as pessoas mais velhas podem viver uma vida plena e interativa. Este modelo já foi adotado em mais de vinte estados nos EUA.

A geração “baby boom” da qual faço parte, começa a olhar para a próxima fase de vida e quer manter claramente uma vida independentente nas suas casas, mas ao mesmo tempo também estamos atentos a modelos alternativos de lares.

Quanto a mim, vejo-me a viver num modelo comunitário intergeracional, na minha área de residência. Quero ouvir música que não conheço e tropeçar em brinquedos no corredor. Desejo continuar ligada a pessoas de todas as idades até ao fim da minha vida.

Envelhecer é sempre visto como uma forma de declínio. Ninguém perceciona este processo como uma fase de crescimento e desenvolvimento humano…

É inegável que as pessoas mais velhas nos remetem para a mortalidade e é muito difícil imaginarmo-nos mais velhos quando somos jovens. A única coisa inevitável do processo de envelhecimento é o declínio físico. Isso é real.

Alguns de nós experienciam algum declínio cognitvo, mas não têm Alzheimer e outras demências, isto não é o envelhecimento “típico”. É uma pequena percentagem dos casos.

Dois pontos importantes: numa sociedade que é bombardeada com mensagens que dizem que envelhecer é um declínio, tornamo-nos muito receosos e apenas conseguimos ver as perdas.

Não digo que o declínio não seja real, mas existem coisas boas e más em qualquer idade. À medida que envelhecemos tornamo-nos a soma de todas essas experiências.

Temos de ser honestos sobre as perdas mas também sobre os ganhos. Existe uma maturidade emocional, um sentimento de independência, especialmente para as mulheres, um sentimento de libertação.

É um facto que sabemos mais, mas não vou dizer que todas as pessoas mais velhas se tornam sábias. Umas sim, outras não.

Envelhecer pode trazer também um enorme e real benefício mental, cognitivo e social de desenvolvimento. Só quero garantir que contamos os dois lados da história.

Em Portugal, a partir dos 35 anos, é difícil arranjar um novo emprego. O mercado de trabalho é um dos setores onde a discriminação com base na idade é muito dura. Nos EUA têm a mesma realidade?

Aqui a realidade é semelhante. É pior nalgumas indústrias do que outras, em particular, na área da publicidade.

Costumo dizer que na publicidade o idadismo supera o factor lucro. Continuam a dirigir o mercado publicitário para o grupo demográfico “dos 18 aos 35 anos”, mesmo quando na realidade as pessoas mais velhas têm mais poder de compra.

Existe um enorme interesse em manter o idadismo em dois domínios: mercado de trabalho e cuidados de saúde.

Os empregadores começam a perceber que necessitam da base do conhecimento dos trabalhadores mais velhos. As equipas de trabalho com diversidade etária tomam decisões mais eficazes e são capazes de servir uma lista mais ampla de clientes de forma mais eficiente. Este ponto é fundamental no mercado de trabalho.

A idade como critério de diversidade, tal como a cor ou orientação sexual, é uma questão crucial. Faz parte da lista dos critérios de diversidade.

Acho que vamos conseguir incluir esta ideia na nossa cultura, tendo em conta, que existe um número elevado de estudos levados a cabo por investigadores que comprovam que uma empresa trabalha melhor e gera mais lucro, através da constituição de equipas intergeracionais.

A discriminação no mercado de trabalho é um problema muito grave, e legalmente nos EUA, podemos processar a entidade empregadora por discriminação com base na idade a partir dos 40 anos.

Sonhos e planos para um futuro próximo?

Quero que o idadismo continue a obter a atenção que merece como uma causa fundamental.

Que seja uma questão fundamental não apenas na indústria do envelhecimento mas sim uma questão global de direitos humanos e justiça social.

Uma mensagem para os portugueses, novos e velhos, sobre envelhecer com orgulho…

Penso que todos podemos concordar que envelhecer é um feito. Por vezes, acordar de manhã e sobreviver ao longo do dia, também é um feito e faz parte da vida.

Agora temos pessoas com deficiências, que orgulhosamente assumem as mesmas, numa sociedade que valoriza a perfeição física. Isto é maravilhoso.

Se agora temos pessoas homossexuais que finalmente se podem casar e tornar-se plenos cidadãos do mundo e celebrar o seu orgulho homossexual, digo que agora impera o tempo para “envelhecer com orgulho”. É uma loucura ficarmos envergonhados com os anos que temos e com as nossas rugas.

Precisamos de celebrar a nossa idade em qualquer fase e fazer passar a mensagem de que não existe “envelhecimento bem ou mal sucedido”.

Se acordarem amanhã, já estão a envelhecer com sucesso, reivindiquem-no e orgulhem-se!

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