28
Fiz a minha primeira (e durante muito tempo) única viagem de trajecto completo no eléctrico 28 há 18 anos. Um acontecimento com pouca relevância, se não fosse pelo facto desta viagem se ter tornado na primeira causa do enlevo que tenho por Lisboa. E deste encantamento ter resultado mais tarde a decisão de iniciar um projecto profissional ligado ao turismo, tendo como base esta cidade.
Sempre que recebo hóspedes, entre outras sugestões, indico-lhes o circuito deste emblemático eléctrico como excelente meio para uma primeira abordagem a Lisboa. No entanto, só recentemente me apercebi que tenho andado a basear-me em impressões de uma viagem desactualizada.
O dia de hoje propiciou viajar novamente no 28. Tentei, com isto, fazer dois exercícios distintos (e opostos): por um lado fazer de conta que estava a ver a cidade pela primeira vez, para depois poder tentar transmitir de uma forma mais genuína os momentos altos do trajecto e, por outro, observar as transformações na cidade ao fim deste tempo.
Comecei o percurso nos Prazeres, com o eléctrico quase vazio. Na Praça da Estrela entraram os primeiros turistas. Mais à frente, na zona de São Bento/Poço dos Negros, o eléctrico atravessou as primeiras ruas estreitas, com o caminho por vezes dificultado pelos carros mal estacionados.
Chegados à Praça Luís de Camões, ouvi as primeiras exclamações, favoráveis aos edifícios do Chiado, seguidas de muitas fotografias. O mesmo aconteceu – mas sem tempo para registos fotográficos – quando o 28 fez a curva descendente da Calçada de São Francisco e tivémos um breve assomo do Castelo de São Jorge.
Em seguida, o Tejo foi brilhando à direita, alternado pelos edifícios que compõem a grelha de ruas da Baixa. Estávamos agora a subir e ouvi comentários sobre a bonita luz que incidia na Sé Catedral. As ruas mais sombrias, estreitas e sinuosas que voltámos a experimentar assim que nos aproximámos da zona do Castelo e Alfama abriram para uma nova luminosidade no Largo das Portas do Sol. E aqui, para além das exclamações, houve uma grande pressa em abandonar o eléctrico por parte de quase todos os ocupantes, para caminharem até ao miradouro das Portas do Sol.
Decidi segui-los e ficar por uns momentos no miradouro que, na minha opinião, possui a melhor vista de Lisboa (empatado com o miradouro de S. Pedro de Alcântara). A mesma luz, o mesmo Tejo, embora agora com uma paisagem diferente, causada pelos grandes navios de cruzeiro que dali se avistam, imóveis.
Vista há 18 anos a partir de um eléctrico, ainda que bela e luminosa, recordo uma Lisboa menos cuidada e pouco preparada para o turismo urbano e cultural. No entanto notei agora a presença de muitos andaimes, tapumes e algum entulho proveniente de obras de construção e recuperação, o que visualmente não é muito agradável, mas constitui um sinal de renovação da cidade. O comércio e a restauração estão agora mais desenvolvidos. Alguns monumentos, jardins e locais de interesse público e histórico que estavam antes deixados ao abandono foram retomados e embelezados. A oferta de museus e iniciativas de carácter lúdico também foi ampliada desde então. Os tuk tuk’s não faziam parte da Lisboa de há 18 anos mas agora, como enxames, circulam incessantemente em muitas ruas da zona histórica da capital. Na minha opinião, destoam e descaracterizam a cidade, já para não falar nos níveis de poluição. E as ruas estreitas de Lisboa são para serem caminhadas.
Por fim, dirigi-me até Ã Graça, para retomar o 28, mas no percurso inverso. Pensei que, afinal, não tivesse sido tão tardia, a viagem. O mesmo transporte, o mesmo percurso, numa Lisboa que está longe de ser perfeita, mas que mudou para melhor.
Ana Godinho de Vasconcelos